sábado, 26 de novembro de 2011

QUERIDA AVÓ


Engelha-te a pele pelas rugas da sabedoria
O rosto dócil e pálido acaricio com ternura
O teu cabelo puro é cal, é vida,
É rubro, é sangue
Que me alimenta as veias se te olho
E te pego suave na mão
Apenas genuína, sorris!

Quando te afago ao aconchego dum abraço
A tua pele fresca rejuvenesce
Aviva-se nítida pelo olhar
Se da boca se consomem as palavras…
Deixa, sinto que me amas
Sem que te pronuncies.
Sente que te amo.

Encanta-me a postura curvada
O auxílio das canadianas
Até a firmeza da bengala
Debilitada ainda assim
Percorres a existência contra o vazio
Da amarga solidão que passa
Às conversas paralelas
Com amigos de partilha
Entre o banco do jardim
Onde perfumas a cada pétala
O licor singular da vida
Que te trouxe o espírito de juventude
Da idade que agora te carrega sem pesar

Admiro-te assim
Longe de acrescentos
Rabugenta ao choro dum bebé
Sábia ao desfolhar cada lenda
Na plenitude do teu tempo
Contemplo-te embevecida
Desfolhá-las é desfolhar-te
Orgulhar-me do teu percurso rudimentar
E seguir-te as pisadas
Oh, quanto prazer!
Sabendo que o jardim além
De repleto de doces flores
Contém ainda bastantes espinhos
Inevitáveis ao seu crescimento.

Valorizas a enxada cavada na terra
Pelos campos encantados do Mondego
Ao trabalho árduo pelo suor da noite
Esquecendo as horas de sono
A mendigar migalhas do medíocre

Poupas, bem sei
Porque sabes quão difícil foi
O esforço do corpo lastimoso
Às esmolas escassas
Que se escaparam
Entre os dedos vagabundos

Querida Avó,
Confesso ter pavor à velhice
Tremenda agonia à solidão
Mas se um dia for como tu
Serei, de aberto coração!

25.11.11

CARLOS MENDES - AMÉLIA DOS OLHOS DOCES
https://www.youtube.com/watch?v=Rx-q2fez5cE
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